O PS foi puxado para um dos extremos graças à poligamia em união de facto instituída com o Bloco (que manda de facto no Governo) e com o PC (que manda de facto nos sindicatos). Esta concepção não é apenas teórica, é também prática. Logo, o PS não pode fugir do destino no imediato porque isso é mostrar fraqueza, e não pode alterá-lo porque a alternativa é morrer trucidado nas urnas. O PS vive, portanto, numa simbiose, em que os dois partidos mais pequenos desta relação competem ferozmente entre si, sem descurarem a possibilidade de canibalização do hospedeiro. Esta relação de inquilinismo é momentânea porque nesta fase o partido maior não é verdadeiramente afectado, mesmo quando promove e exponencia o valor dos seus inquilinos. A utilidade actual supera as potenciais falhas futuras.
O PSD, por seu turno, viu-se arrastado para o outro extremo (pela colagem comunicacional, não pela praxis política) graças aos quatro anos em coligação com o CDS que preludiaram, na sua essência, o processo de radicalização política que gerou esta nova realidade e originalidade governativa. Muitos dentro do PSD já perceberam a necessidade de se livrarem do “activo tóxico” que representa o partido político mais pequeno da coligação. A outrora protocooperação deu lugar, então, a três ideias principais: à ideia de predação (em que o mais forte quer devorar o mais fraco); à ideia de esclavagismo (em que o mais forte subjuga o mais fraco); e à ideia de parasitismo (em que o mais pequeno é quem mais beneficia da situação).
Desde Outubro de 2015 que o centro em Portugal está suspenso, ou não existe, no plano teórico, fruto da divisão civil e política provocada por uma táctica de submundo protagonizada pelo actual primeiro-ministro. A direita é agora “a direita radical”, a esquerda é agora “a esquerda radical”. Não há apenas “esquerda” e não há apenas “direita”. E também não há "centro". Por conseguinte, é no meio que muitos percebem andar a virtude e as tais águas profundas e calmas onde é possível voltar ao poder com legitimidade reforçada, sem menosprezar os instintos e a vontade de poder.
Neste contexto, não é possível perceber a tendência que cresce dentro do PSD sem entender este novo enquadramento, onde não é possível nem protocooperar, nem devorar, escravizar ou deixar-se parasitar pelo partido mais pequeno. E se ao PS resta esperar, ao PSD resta adaptar-se ao novo tempo. Porque quando os factos mudam, convém mudar de estratégia.
Sócrates foi mais assertivo na segunda-feira. Diria mesmo, contundente porque estava manifestamente bem preparado. Ontem foi menos reservado, mais emotivo e, por isso mesmo, menos capaz de controlar racionalmente a sua narrativa. Este intimismo revelou um espírito de acossado centrado no seu maior defeito: um ego desmesurado que não consegue esclarecer, antes confundir. Para ele, a cabala é uma constante permanente em que o cosmos e as forças do homem e da natureza (presumo que os elementos também sejam da “direita”) conspiram para deitar abaixo o seu mundo, as suas convicções e arrasar tudo aquilo que lhe é próximo com intuitos que não são obscuros, pelo contrário, são perfeitamente claros: derrubar o Partido Socialista e por essa via elevá-lo a vítima de um processo político.
A minha perspectiva sobre o assunto não mudou, mas aquilo que antevejo como corolário, o fim último em que tudo isto vai resultar, também não. E, hoje, como rescaldo, julgo que poucos mudaram de opinião sobre a personagem e o processo: quem o julga culpado, mantém o veredicto; quem o tem como inocente, mantém a sua defesa.
A entrevista, então, baralhou para deixar tudo praticamente na mesma: Sócrates adiantou-se no marcador na primeira parte, mas deixou-se igualar na segunda. No deve e no haver, não me parece que empatar a jogar em “casa” seja coisa que lhe convenha.
1- Quem assistiu à narrativa teve a plena convicção de que Sócrates estava muito bem preparado e que utilizou com mestria os seus principais argumentos.
2- Foi evidente que quem saiu da entrevista mais beliscado é a Procuradoria Geral da República, sob a figura de Joana Marques Vidal, por tudo o que Sócrates afirmou e confrontou. Convém referir, no entanto, que a entrevista praticamente não teve contraditório.
3- Já se percebeu que a acusação, depois de um início auspicioso, está a cometer erros que beneficiam o suposto infractor. Sócrates dedicou-se com afinco a desmontar as principais acusações de que é alvo e conseguiu, por essa forma, atingir os seus objectivos: gerar dúvidas razoáveis sob o processo, descredibilizar os actores do processo e colocar-se como potencial vítima de uma maquinação (ou de um “ódio pessoal”, como ele próprio afirmou) que não teve pudor em usar a própria família (“o meu filho e a minha ex-mulher”) para um ataque. Aliás, Sócrates “regressou” para se defender e para proteger a família.
4- Notou-se também que Sócrates esperava um apoio declarado do PS, e que fosse além das dezenas de figuras que o visitaram em Évora. Costa, talvez para contentá-lo, colocou socráticos em ministérios e em secretarias de estado, mas resta saber se isso será suficiente para Sócrates perdoar a desfeita.
5- O “animal feroz” é uma máquina de propaganda poderosa que no seu ambiente causa mossa, muita mossa. E saiu vencedor por KO nesta primeira parte da contenda (a segunda chega-nos hoje) em que se esperava mais luta do entrevistador e menos rédea solta do entrevistado.
6- Como ontem vaticinei, isto não vai dar em nada e as suspeitas não deixarão de ser isso mesmo: suspeitas que se lavarão com o sacudir de responsabilidades ou com mentiras vestidas de verdade. Que nos sirva pelo menos para pensar no regime que temos e na justiça que queremos.
A criatura volta hoje ao horário nobre para contar a sua narrativa. Sócrates vai, portanto, ao ambiente que melhor conhece e domina porque foi a televisão que, primeiro, o criou e, depois, o matou. É com essa esperança que ele sonha renascer.
É provável que vá lá transmitir a ideia de um acossado de ar muito sério, perseguido por motivações políticas e enchido de teorias conspiratórias, de coincidências diversas e de fábulas de encantar. E é provável também que o público, em casa, se divida, e se emocione ou se insurja conforme a bílis ou a disposição. Eu já não estou nem aí, como diria o brasileiro. Há muito que percebi que isto não vai dar nada e que as suspeitas não deixarão de ser isso mesmo: suspeitas que se lavarão com o sacudir de responsabilidades ou com mentiras vestidas de verdades. Neste país, raramente um princípio tem um fim.
Sócrates vai hoje ao horário nobre. Não há como condená-lo por isso. Ele usa o que tem. Não é culpa dele.
Dois mandatos depois, e quando está de saída, Obama lembrou-se do problema ambiental e propôs-se liderar a “batalha” (conjuntamente com outros países desenvolvidos) pelo ambiente (cada vez com mais radicais entrincheirados e com estudos profundamente contraditórios, o que só revela a fragilidade de muitos argumentos). Isso mostra bem a hipocrisia da criatura, habituada à boa imprensa e ao enchimento de ar com chouriços. Como é óbvio os países em via de industrialização e os mais atrasados vão mandá-lo passear, porque não estão motivados para abdicar de ter o que os ricos têm para que os ricos fiquem confortáveis com a sua consciência. Ou seja, por mais que a guerrilha urbana se dedique com afinco à destruição dos símbolos do seu bem-estar, os mais pobres querem precisamente o que os ricos têm, e não o que os ricos pensam que eles devem ter.
Anda muita gente preocupada com Donald Trump. Mas como diria Ortega y Gasset o homem é o homem e as suas circunstâncias, pelo que não se deve menosprezar o panorama actual americano, incluindo o desastre notório que é a presidência de Obama. Talvez isso ajude a explicar o fenómeno de popularidade da criatura e o ambiente em que se alimenta e cresce.
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