Há um problema com as previsões do Governo relativamente ao Orçamento do Estado. Esse problema não é de somenos importância porque se funda em projecções catalogadas de demasiado optimistas, um facto não despiciendo para quem nos empresta dinheiro e mantém ligada a máquina de respiração assistida.
Claro está que um Orçamento é um Orçamento e a sua leitura depende do lado enviesado que o analisa, e da boa vontade de quem o apresenta e executa ou da má vontade de quem o ataca e condena. Mas a economia não é uma ciência exacta, as finanças não são regras de três simples e a imaginação dos políticos vale o que vale. Mas nestas matérias mais vale cair em graça do que ser engraçado. E quando a bota não bate perdigota, há razões mais do que suficientes para preocupação acrescida, como parece ser o caso. Não é apenas porque os outros estão a olhar para nós desconfiados, é também porque todos nós reconhecemos a legitimidade dessa desconfiança plasmada na artificialidade que vivemos hoje. Não tem muito tempo, andávamos a pedir esmola. Pensar-se que por um toque de varinha mágica, a nossa situação mudou, é o mesmo que julgar que de barriga cheia não precisamos de fazer mais nada. Ou que a cigarra voltou a esquecer-se das vantagens de ser mais vezes como a formiga. Vamos a caminho de mais um sarilho.
A vitória esmagadora de Marcelo Rebelo de Sousa nestas eleições merece umas conclusões:
1- A direita esteve unida em torno de um candidato. A esquerda esteve dividida no seu habitual folclore. Tinha candidatos para todos os gostos, incluindo cinco socialistas, um comunista, uma bloquista e um artista de variedades. Já se sabe que nestas coisas a imaginação da esquerda é como o céu: não tem limite.
2- António Costa geriu este dossiê como governa o país: de forma infantil e totalmente irresponsável. É, portanto, o grande derrotado destas eleições. Ele e todos os outros 9 candidatos cujo objectivo era forçar uma segunda volta.
3- O PC é o elo mais fraco da tróica que governa. A votação obtida pelo seu candidato prova que o ménage de conveniência é bom para a fotografia, mas péssimo para os resultados. O Bloco manda, o PS executa, o PC obedece. A corda começou a rebentar.
4- Sampaio, Eanes e Soares têm história e um passado de relevo. Os três ex-presidentes, apesar da popularidade, apoiaram um candidato que não recolheu 25% das intenções de voto. Eis um “tempo novo”.
A campanha não entusiasmou, porque não podia entusiasmar. Houve demasiada confusão, ruído comunicacional, pouca clarividência. Por certo, a confusão foi benéfica para quem gosta de fazer da política um mero palco onde há cada vez menos espectadores interessados nas dores de parto. Isto naturalmente beneficiou quem tem mais a perder do que a ganhar, quem está mais para destruir do que para construir, logo beneficiou mais os candidatos da esquerda do que Marcelo Rebelo de Sousa. É um facto.
Foi aliás notória a tentativa de colar a presidência aos governos e a situações hipotéticas como se uma presidência fosse resumida em questões de sim ou não ou feita dos humores de momento ou dos dramas de ocasião. Só que a alta política exige ponderação, reflexão, análise cuidada dos caminhos em cima da mesa, e não um ver se te avias a ver quem tem a resposta mais interessante, mais polémica ou que possa ter maior amplitude comunicacional. Não é isso que interessa, não é isso que importa.
O que interessa é percebermos que um presidente não decide com base em adágios, em provérbios, ou em frases feitas declamadas sobre cantigas de intervenção; que um presidente não decide exclusivamente suportado na sua área política de origem; que um presidente não é um líder de facção ou de metade de um país contra a outra metade.
O que importa é interiorizarmos que um presidente representa Portugal e os portugueses, representa a nossa história, é um símbolo do país que merece respeito, coisa que muitos não tiveram por quem nos representou nos últimos dez anos; que um presidente não se deixa abater pelas críticas; que um presidente decide pela sua cabeça e não vai atrás do que pensam os outros; que um Presidente tem autonomia e não responde a supostos favores.
É por isso que vou votar Marcelo Rebelo de Sousa neste domingo. Não há outro candidato capaz de corresponder de forma tão eficaz ao que se exige a um Presidente da República. E eu quero alguém na Presidência da República que me dê garantias que vai decidir (quando precisar decidir), não para o meu lado, mas com justiça, independentemente do lado onde essa justiça estiver.
Nota final: Uma palavra de apreço a Henrique Neto – pela capacidade que demonstrou e o respeito que conquistou – e um obrigado sentido ao Tino de Rans – pela autenticidade revelada e porque num tempo em que um ministro troça daquele que é um dos maiores artistas nacionais, nada como ver um verdadeiro homem do povo a dar chapadas de luva branca em muito presumido.
A natureza humana só surpreende quem anda distraído. Nada de original, portanto, ver o Estado manter em exibição este acelerado processo de destruição das liberdades e garantias dos cidadãos a troco do combate à presumida “evasão fiscal”. Aliás, há sempre uma contrapartida evidentemente saborosa que explica às massas a necessidade de ir sempre mais além nas funções do Estado. Às vezes é a “evasão fiscal”, às vezes é a “saúde pública”, às vezes é “a mudança de mentalidades”, às vezes é o que lhes dá na gana.
Seja como for, a partir de agora, todos somos suspeitos e não há necessidade de recorrer a um tribunal para vermos a nossa vida devastada por um qualquer senhor ou senhora das finanças. Neste caminho tortuoso, rumo a um fascismo encapotado em que o Estado verifica todos os aspectos da nossa vida individual e colectiva, bem podemos espernear e dizer basta, que isso não tem qualquer consequência.
Na verdade, nós adoramos este Estado omnipresente com controladores instalados a cada esquina. Adoramo-lo no modo como nos ensina a comer, a viver, a ter saúde, a ser melhor, porque assumimos como inevitável esta cavalgada criadora de um “homem novo” e de um Estado policial.
Eu, que dispensava esta amabilidade que me toma por parvo e idiota chapado e que não tenho interesse nenhum em me tornar um “homem novo” (ainda menos se baseado nas abstrusas ideias deles), estou na onda, não porque queira ir, mas porque é tão grande que é quase impossível lhe resistir. E eu tento humildemente resistir.
Um dia, e esse dia não estará longe, o Estado estará, vestido de gala, instalado dentro de casa a tomar conta de mim, a tomar conta de nós. Nesse dia, seremos certamente todos muito iguais; impolutos; saudáveis; mental, económica e culturalmente capazes; e ambientalmente irrepreensíveis. Mas não teremos aquilo que outrora tanto valorizávamos: liberdade. Liberdade de podermos escolher, liberdade de podermos ser diferentes, liberdade de podermos ser…livres e fazer outras opções.
Philip Roth, esse mestre, disse um dia que a humanidade colocava muita esperança na inteligência dos homens, mas que isso [infelizmente] não anulava a própria natureza humana. Como se vê, não anula mesmo, até porque ela está e revela-se nos pormenores e na imaginação infindável com que nos obriga às suas certezas absolutas.
Ouvir um debate na rádio com 10 candidatos é um exercício masoquista. A primeira pergunta demorou quase 25 minutos a ser respondida. Já não me lembro o que responderam os 9 primeiros. E agora também não me lembro do último.
O pior que pode acontecer a um populista num debate (na rádio, no caso) é encontrar um populista pior do que ele.
Transparência – Se o Dr. Paulo Morais era o vice-presidente da Associação Transparência e Integridade quem era [é] o Presidente?
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