“Irmãos humanos, deixem-me contar-vos como foi que se passou. Não somos seus irmãos, replicarão os que me lêem, e não queremos saber. E é bem verdade que se trata de uma história sombria, mas também edificante, um verdadeiro conto moral, garanto-vos eu. Corre o risco de ser um tanto comprida, afinal de contas passaram-se muitas coisas, mas caso os leitores não estejam demasiado apressados, com um pouco de sorte o tempo há-de chegar. E depois isto diz-vos respeito: acabarão por ver bem que vos diz respeito. Não pensem que procuro convencer-vos seja do que for; bem vistas as coisas, as opiniões do leitor são da sua conta. Se me decidi escrever depois de todos estes anos, é para esclarecer as coisas para mim mesmo e não para os que me lêem. Durante muito tempo, cada um de nós rasteja nesta terra como uma lagarta, na expectativa da borboleta esplêndida e diáfana que traz em si. E depois o tempo passa, a ninfose não chega, ficamos larva, constatação aflitiva, que havemos de fazer com ela?”
Este livro, 900 páginas de belíssima, mas complexa e densa literatura, não se lê sem sentir um nó na garganta, um nó que aperta e arde, que nos deixa ansiosos, que nos deixa a pensar na besta em que o homem se torna quando os verdadeiros valores humanos se esvaem, como o sangue se esvai do corpo do fuzilado. É esta indiferença que marca, que torna tudo tão real e ao mesmo tempo tão irreal. É esta indiferença que nos mostra o perigo da nossa própria indiferença. E é esta indiferença, esta horrível e crua indiferença, que torna este romance na mais incrível descrição que li sobre o horror da guerra.
Blogues Madeirenses