Num estado de Direito não podem morrer pessoas por incúria desta natureza. Seja a incúria procedente da inércia, da falta de comunicação, do atavismo, da mediocridade ou da incompetência velada, manifesta ou imberbe. Estamos a ser governados por crianças ou, no mínimo, por gente negligente. É isto que me apraz dizer. O resto são os cadáveres e a destruição deixada pelo fogo. Esse fogo que mata, que asfixia homens, mulheres e crianças, que destrói tudo à sua passagem. Perante o ar incrédulo de todos, como se um ar incrédulo resolvesse o problema ou trouxesse essas vidas de volta. Não traz. E não traz porque não pode trazer. E se uma vez não bastou, duas deviam bastar. Num país civilizado, ou dito civilizado, não podem morrer pessoas desta forma e sem ninguém ser responsabilizado.
Este é um bom exemplo da síndrome socialista apanágio dos iluminados que momentaneamente nos governam. Amiúde, a síndrome exige um ataque sobre a propriedade dos outros, ao abrigo de um qualquer absurdo. Claro está, que o ataque também podia ser sobre os rendimentos dos mais afortunados ou sobre outra coisa qualquer, desde que isso permitisse colocar no terreno uma qualquer medida populista ou dar um ar de modernidade. O importante é brincar com o dinheiro dos outros. Ou com a propriedade dos outros, no caso em apreço. E a seguir? Vão tabelar o preço dos cafés nestes estabelecimentos? Vão isentar estes negócios do pagamento de água, luz e/ou saneamento básico? Vão transferir os lucros dos estabelecimentos que pagam rendas abaixo do mercado para os donos dos imóveis para compensá-los? Qual é o limite? E porquê 50 anos e não 45? Ou 30?
Uma metáfora, desastrada, soltada pelo meio de uma entrevista a Djisselbloem, líder do Eurogrupo, incendiou os ânimos, fez soltar os cães e apelou à utilização de figuras de estilo alternativas por parte do indígena.
O Dr. César, líder da bancada socialista e baluarte da boa educação na AR, optou pela antonomásia ao afirmar que “é o tipo de criatura que não faz falta na União Europeia”.
Um tal de Duarte Marques, conhecido mais pelo dislate do que pela seriedade, seguiu a via da prosopopeia porque para ele “este socialista holandês é um atrasado mental”.
Sérgio Sousa Pinto, deputado do PS, foi um pouco mais longe e escolheu uma perífrase já que Djisselbloem não passa de “[…] um sobrevivente sem escrúpulos, [que] decidiu acicatar o pior da Holanda, vestiu uma camisa castanha e deu largas à xenofobia como se estivesse em cima de uma cervejaria bávara” acrescentando que o holandês é um “Djosselcoiso, pseudo-socialista e lacaio internacional”.
E o Bloco, esse mar de virtudes e de gente séria que nunca perde uma oportunidade para aproximar o fascismo das palavras, também atirou uma anáfora e considerou as “declarações absolutamente xenófobas, racistas, sexistas, preconceituosas […]”.
Vale que o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros, conhecido por comparar a concertação social a uma feira do gado (uma metáfora, convém relembrar), foi mais comedido e imaginativo.
Para Augusto Santos Silva “o presidente do Eurogrupo continua passados estes anos todos sem compreender o que verdadeiramente se passou. […] O que aconteceu foi que nós, como outros países vulneráveis, sofremos os efeitos negativos da maior crise mundial desde os tempos da grande depressão e as consequências da Europa e a sua união económica e monetária não estar suficientemente habilitada com os instrumentos que nos permitissem responder a todos os choques que enfrentamos”. Eis como um eufemismo explica tão bem aquilo que verdadeiramente aconteceu.
Marcelo, o Príncipe do Povo de acordo com o Expresso, não sabe se se recandidata em 2021. Decidiu guardar a resposta para 2020, como se alguém acreditasse na sua falta de vontade depois de lhe tomar o gosto e o jeito para interferir em tudo, incluindo numa associação de condomínio que não funciona em Odivelas e no inadmissível desplante da Dra. Teodora Cardoso, mulher com toda a certeza alienada da realidade. O presidente, perdão, o príncipe do povo e dos afectos julga, assim, estar a criar um tabu de enorme ansiedade na pátria. Talvez esteja certo.
O filme em exibição exige mestria e a presunção de que os actores e restantes figurantes cumprem e obedecem ao guião que traz insultos, erros de português e mentiras gloriosas numa casa da democracia transformada em cortejo de entulho. E enquanto o Trio Odemira (Costa, Catarina e Jerónimo) actua e o príncipe (Marcelo) dirige – por entre selfies, beijinhos e abraços de circunstância –, o público, embevecido, ri ou chora conforme as orientações do Sr. Galamba do twitter, da D. Mariana das gémeas e de um tal Tiago do PCP, especialista em artes marciais e em ameaças subliminares à mesma Dra. Teodora que vem no primeiro parágrafo desta história. É por isso que o filme não pode parar: a direita é a má da fita e a esquerda é a heroína (no seu duplo sentido) da história (no seu duplo sentido). Por entre uma dose e outra, perdão, por entre uma cena e outra, as incertezas tornam-se certezas, as mentiras tornam-se verdades, o azedo torna-se doce, a ficção torna-se realidade, a D. Isabel Moreira faz mais uma tatuagem e o Prof. Louçã chega de fato e gravata ao Banco de Portugal. Pena o argumento pouco original: não é a primeira vez que uma comédia se transforma em tragédia, que a festa acaba numa conta de dezenas de milhar de milhões de euros por pagar ou que o Sr. Tiago, do segundo parágrafo desta história, espuma pela boca. Aliás, avaliando a nossa insidiosa atracção pelo abismo, nenhuma delas será a última.
Em modo lento. Lentíssimo. Mas regressando. Para outros tempos e novas lutas. Para os dias difíceis que aí vêm e que poucos querem ver.
O Dr. Costa decidiu promover uma série de vídeos onde quer mostrar as virtudes do seu/nosso orçamento. A coisa é curiosa e, ao mesmo tempo, sublime. Por dois motivos principais, ainda que antagónicos.
Por um lado, o exercício é pura propaganda, sem tirar nem pôr, sobre um documento que sabemos não ir chegar ao fim sem remodelação profunda, e daí a curiosidade em conhecer o modo como se tenta justificar um aumento de impostos como uma baixa de impostos ou o fim da austeridade com mais austeridade. Os argumentos não são bons, mas são originais, e aí não há desilusão.
Por um outro lado, o Dr. Costa olha, enquanto fala, não para nós, mas para o papel que lhe puseram ao lado da câmara e que religiosamente tem de ler sem se enganar. Este exercício é sublime e prova, primeiro, que o Dr. Costa sabe seguir um guião e, segundo, que sabe seguir um guião sem se engasgar. Porém, em certos momentos do suplício ficamos na dúvida se o primeiro-ministro acredita no papel (em sentido figurado) que representa e no papel (em sentido literal) que tem à frente. Eu acho que ele não acredita nem numa coisa nem noutra. Mas não tenho a certeza.
Mais de metade do orçamento da Cultura é para pagar a RTP. Fosse isto o governo de outras cores políticas e os puritanos veriam aqui a mão que embala o berço e aquece os corações. Não sendo, resta perceber que os socialistas (e bloquistas e comunistas) sabem muito bem que o aparelho de Estado se divide em dois: no repressivo (polícias, militares, autoridades, tribunais, etc) e no ideológico (comunicação social, educação, sindicatos, etc). Uma maioria de esquerda vale bem o pastoreio desta pátria, sustentada por quem paga impostos, enquanto educa essa mesma pátria e o grosso da sua clientela. Althusser mantém-se actual. E eles não esquecem a cartilha.
Isto não devia ser uma luta entre esquerda e direita, mas sim uma luta, honesta e responsável, por um país melhor. Por um país que não viva do constante endividamento nem ao sabor de quimeras imaginadas e inalcançáveis. Por um país sério e próspero. Por um país que não seja como Prometeu, esse filho de titã, que nos abençoou com a luz para depois nos amaldiçoar com a esperança.
Não satisfeito com a ribalta trazida pelas ideias abstrusas e rapidamente enterradas na Grécia, o Sr. Varoufakis pretende lançar o movimento “Democracia na Europa 2025” e, quiçá, ser candidato ao Parlamento Europeu em 2019. Na lista de subscritores do movimento não faltam dois dos habituais insuspeitos portugueses: o criador do Livre (lembram-se?) Rui Tavares e o inestimável Prof. Boaventura (que vem amiúde dar sinal de vida de Coimbra para o Mundo), dois sujeitos que vêem em todas as oportunidades, uma verdadeira oportunidade de assinar movimentos, manifestos e a papelada que lhes ponham à frente.
O que quer o Sr. Varoufakis (e os Profs. Tavares e Boaventura, por arrasto)? O Sr. Varoufakis quer o que toda a gente quer: que a vida seja fácil e que o dinheiro abunde por obra de um qualquer milagre que ele prefere não explicar. Ou por outra, que até explica embora sem grande sucesso, mesmo que em conferências pagas a peso de ouro onde ele perora sobre o estado do capitalismo que abomina mas que, com primor, lhe permite manter a vida faustosa que alimenta. O problema de fundo é, contudo, sempre o mesmo: nas ideias do novo movimento, essa vida fácil não é possível pela falta de democracia europeia (é verdade que há falta de democracia na Europa), graças ao neoliberalismo (esse papão) e fruto das directrizes alemãs (de que o Sr. Schauble é o testa-de-ferro). Na verdade, cinco minutos de conversa bastariam para ver os argumentos gastos, ainda que revestidos com nova designação. E agora que o Sr. Varoufakis vê a Europa igual aos anos 30 do século passado, isso demonstra que, ou ele conhece muito pouco da história, ou que a história já não se reconhece. Tanto faz.
Ainda assim, é maravilhoso ver o modo como a esquerda caviar, de cachecol Burberrys e sedenta de protagonismo fácil, continua a perorar sobre o mundo, como se o mundo fosse uma inesgotável fonte de experiências onde se aplicam os conceitos teóricos obtidos essencialmente nas universidades em projectos práticos transpostos para a vida real. Como muito bem sabemos o socialismo real não se recomenda e aí sim, a história que pelos vistos o Sr. Varoufakis só vê para um lado, está cheia de exemplos. De pouco adianta que os exemplos sejam sobre milhões de cadáveres de inocentes e que o socialismo não tenha produzido uma única boa ideia. Para a trupe que prepara o seu enésimo movimento, o paraíso deles é um miliagre já ali ao virar da esquina de 2025. O nosso calvário, se por um outro milagre depender destas mentes, também.
Alguém, certamente imbuído do espírito carnavalesco que se vive nesta época, propôs o nome de Donald Trump para Nobel da Paz. A justificação merecia um comentário, mas não é isso que importa para o momento até porque o mundo já consagrou Arafat, Obama, Jimmy Carter, Al Gore ou a União Europeia com este distinto galardão, sinais claros da decadência do prémio em si. Mas confesso que não deixo de rir.
A ferocidade pela atribuição de prémios para tudo e coisa nenhuma, elucida com primor o mundo de loucos em que vivemos. Há prémios para tudo o que se consiga imaginar, incluindo o que não se consegue. Não estar nomeado para nada, tornou-se a excepção e não a regra.
Com este caso não é muito diferente. Mas como todos sabemos que há aqui publicidade enganosa (foi apenas uma alminha anónima que o sugeriu), que ele não vai ganhar (não é da denominada esquerda caviar) e que o mundo continuará exactamente como está (depois de Arafat tudo é literalmente possível), também sabemos que Obama já ganhou o mesmo e que ninguém se riu, incluindo ele.
Sendo o que é, o Nobel da Paz vale mais pelo simbolismo do que pelo discurso de ocasião, estando cada vez mais parecido com o da literatura que com frequência nos brinda com ilustres anónimos que vêem as suas vendas disparar para números astronómicos devido, não a novos escritos, mas a novas encadernações. E a não ser que queiram ridicularizar definitivamente o assunto, Trump fica bem entre os potenciais nomeados: tem um discurso cómico, arrasta multidões e diz tudo o que pensa, mesmo que não pense grande coisa. No fundo, ninguém leva a sério: a ele e, por arrasto, o prémio.
Num ambiente orquestrado pelo politicamente correcto, note-se a ousadia de chamar para a festa o mais politicamente incorrecto dos seres que pululam no planeta. Talvez com um objectivo claro: tudo o que aparecer ao lado de Trump parecerá bem e talvez não faça notar a também inverossimilidade de certas figuras que por ali vão aterrar. Mas no fim das contas, este ano ninguém ganhará o prémio. É Donald que o vai perder. E nós, por solidariedade, também.
De pouco adianta a acusação balofa de falta de patriotismo que o governo lança à oposição. Porque falta de patriotismo é assistir a isto como se não fosse nada connosco e como se a irresponsabilidade ainda pudesse ser aplaudida, talvez ficando felizes com um "amanhã que canta" ou com um país melhor por obra da hipótese de um milagre já ali ao virar da esquina. Não há milagres desta natureza e os tempos são perigosos. E se a faustosa festa que se prometia no papel duraria uns bons meses, a ressaca na vida real duraria certamente uns bons anos. Logo, perder mais tempo não é apenas contraproducente, é também um modo de assumir aquilo que já não pode ser negado: a infantilidade com que alguns querem gerir o processo do Orçamento do Estado para 2016. Cresçam, se fazem favor.
António tinha um sonho: ser líder da aldeia. Não o conseguindo com legitimidade, conseguiu-o através de um golpe que meteu umas facções descontentes com a antiga liderança, após uma troca de favores.
Quando chegou ao palácio da aldeia, António quis mudar os móveis, o serviço e o grosso da política de gestão. António queria mudar tudo sem hesitar, porque o tempo era novo, o tempo era diferente.
Para a execução da tarefa, António chamou Mário, um conceituado economista de papel, também conhecido por dizer tudo e o seu exacto contrário. Mário aceitou de bom grado a sugestão e até tinha um plano inicial do agrado de António que havia sido chumbado quando António tentou chegar ao poder pela via legítima. Mas isso não foi problema.
Entretanto, e inebriado pelo sabor do poder, António decidiu que mudar os móveis, o serviço e a política de gestão não era por si só suficiente. Queria agora uma verdadeira revolução que não deixasse nada igual ao que era antes: queria transformar a aldeia num El Dorado. Mário, que antes entendera a revolução como um caminho a evitar, prontamente apresentou um novo plano que deixou António em êxtase e no limite de um orgasmo. O plano era simples e muito prático: distribuir mais pela aldeia, arrecadar menos dos aldeões e ser exactamente o contrário do plano inicial. Parecia a fórmula da alquimia nunca encontrada.
Tudo corria bem, até que António percebeu que dependia de forças que não controlava para a execução do mirabolante plano. Nesse momento, António decidiu espernear, com a ajuda de um tal Pedro e de um tal João, e gritar que havia um complô contra ele. O mundo inteiro unia-se para lhe fazer a vida negra, foi esta a sua nobre conclusão. Começou então em reuniões com as aldeias vizinhas, mas as aldeias vizinhas não pareciam estar pelos ajustes. Na verdade, António dependia não de forças de estranhas, mas de um pacto entre aldeias que lhe garantia dinheiro emprestado e que lhe permitia manter a sua própria aldeia dentro dos limites dessa união de aldeias. Em troca, as outras aldeias exigiam-lhe um mínimo de responsabilidade, um mínimo de credibilidade, e que António lhes pagasse sem falhas, pelo menos enquanto a alquimia não funcionasse e não houvesse ouro suficiente para pagar as dívidas entretanto acumuladas.
Mas António não estava pelos ajustes. E decidiu, numa bela manhã de inverno, partir para a guerra com um conjunto de generais mal preparados (os nossos já conhecidos Mário, Pedro e João), mas muito bons em termos teóricos. Foi munido do espírito de sacrifício e muito incentivado, curiosamente, pelos líderes das facções que o suportavam na aldeia, os nossos ainda desconhecidos Francisco, Jerónimo, Catarina e Mário II (para que não se confunda com o primeiro Mário).
Obviamente que a união que faz a força, e o exército da aldeia, após derrota estrondosa, foi obrigado a regressar às casernas e António, o general desta epopeia, foi obrigado a regressar ao palácio. À sua espera estavam os que outrora tanto o incentivaram, Francisco, Jerónimo, Catarina e Mário II, agora já nossos conhecidos, que prontamente lhe perguntaram pelas vitórias que tão faustosamente lhes prometera. António, caído em desgraça, simulou uma enxaqueca e abandonou a reunião. Lá fora, estava reunida a comissão de moradores da aldeia. O ambiente não era bom, mas António ainda tinha um truque na manga: iria transformar mais uma derrota numa vitória.
1- Como é natural, quando há um défice excessivo e não se corta na despesa, a fórmula que sobra é fazer crescer a receita. Logo, vai haver aumento de impostos.
2- Esse aumento de impostos, pelo que nos é dado ver, vai incidir sobre os combustíveis, a compra de automóveis, a banca, o álcool, o tabaco, os lucros das empresas, o IMI dos fundos imobiliários e as heranças e sucessões, sem falar em tudo o resto que já existe.
3- Isto tem consequências no desenvolvimento do país porque um aumento de impostos significa menos dinheiro disponível do lado dos contribuintes e dos investidores.
4- Uma projecção pode estar imbuída de dois defeitos: um primeiro prende-se com o excesso de optimismo; um segundo tem que ver com as variáveis incontroláveis que militam na equação. (Por exemplo, não houve uma única alminha que tenha previsto a derrocada do preço do petróleo, mas ela aconteceu)
5- Dizer que o défice vai ser de x ou y, que o desemprego vai ser de a ou b ou ainda que a dívida pública vai ser de t ou w, é um exercício teórico que pode não ter correspondência com a realidade. Na verdade, qualquer mudança nas variáveis da equação provoca efeitos no resultado da mesma, incluindo em outras variáveis que nem constam da equação, o que obriga a um permanente refazer da mesma.
6- Numa situação de impostos altos, o mais natural é que o investimento diminua e o desemprego aumente. A não ser que o governo esteja a pensar injectar dinheiro (que não há) em obras públicas (que não estão previstas), não se percebe como é que se vai minimizar o efeito do desemprego (quando ainda por cima aumentou o salário mínimo e mudou as regras de contratação).
7- Não se percebe, mas não quer dizer que não aconteça. Mas um acontecimento inesperado é uma coisa, um caminho inexplicável é outra bem diferente.
A bazófia vai valer até o momento em que o ar que vive dentro do saco seja tão evidente que se torne impossível disfarçar que ele não tem nada dentro. Nesse momento, os irresponsáveis que teimam em puxar a corda, vão vê-la rebentar sem um mínimo de aviso. Culpa de quem? Certamente que a culpa é, e será sempre, dos outros: da UE, de Passos, do vizinho, do dono do café, das agências de notificação, de Schäuble e do Diabo, da Mossad, da Abelha Maia ou do que calhar, incluindo esse desenterrado Relvas. Nunca deles, porque eles nunca têm culpa de nada, e porque anos e anos já passaram (parecem séculos tal a leviandade) desde a última bancarrota.
Estão sem consciência presos nesse labirinto, onde um caminho leva à parede e o outro não leva a lado nenhum. Estão com a boca cheia de ideologia, manietados pelas tipas bem-falantes que passam bem no ouvido, no olho e na televisão e que se chamam ou Catarina, ou Mariana, ou Marisa, mas cuja mensagem é sempre igual: mate-se o que é diferente; esfole-se quem ainda tem; acabe-se com o que não interessa; faça-se como a fénix e renasça-se de cinzas (que não estão lá!). Todas diferentes e, no fundo, todas tão iguais. Um horror, portanto.
A insignificância europeia desta trupe, deste circo ambulante, é inversamente proporcional à irresponsabilidade com que dirigem o barco rumo ao rochedo iluminado pelo farol. Mas o povo não merecia. Não merece. Porque o barco vai carregado, não de iluminados, não de bem instalados, não de burgueses armados em revolucionários, não de pseudo-intelectuais que não sabem nada da vida, mas sim de gente inocente que só quer estabilidade, de gente boa que só deseja o fim desta politiquice, de gente honrada que não quer isto, que nunca quis isto; de gente que só quer seguir com a sua vida e que a deixem em paz.
Era bom que o Orçamento do Estado para 2016 fosse o mar de rosas prometido por Centeno e Costa. Isso significaria que o país estava melhor e que a conjuntura, interna e externa, favorecia o nosso crescimento, o tal “tempo novo”. Mas, infelizmente, (digo-o com pena, não com qualquer sombra de sarcasmo ou ironia) não é assim que acontece. E não adianta sequer pensar que são os outros todos que estão errados e que o único certo, nesta equação, é o governo do partido socialista, porque estamos presos nos arames e na boa-vontade de uma única agência de rating que, mudando a sua orientação, nos afunda sem contemplações. O governo tem de ser consciente e olhar para a situação com responsabilidade até porque há uma distância enorme entre o sonho utópico de dar o que se quer e a realidade crua que nos traz de volta e que só nos permite dar o que se tem. Basta, então, de palavras floreadas e desse passatempo nacional de passar as culpas para os outros. Os portugueses estão fartos destes joguinhos e destas artimanhas.
Há um problema com as previsões do Governo relativamente ao Orçamento do Estado. Esse problema não é de somenos importância porque se funda em projecções catalogadas de demasiado optimistas, um facto não despiciendo para quem nos empresta dinheiro e mantém ligada a máquina de respiração assistida.
Claro está que um Orçamento é um Orçamento e a sua leitura depende do lado enviesado que o analisa, e da boa vontade de quem o apresenta e executa ou da má vontade de quem o ataca e condena. Mas a economia não é uma ciência exacta, as finanças não são regras de três simples e a imaginação dos políticos vale o que vale. Mas nestas matérias mais vale cair em graça do que ser engraçado. E quando a bota não bate perdigota, há razões mais do que suficientes para preocupação acrescida, como parece ser o caso. Não é apenas porque os outros estão a olhar para nós desconfiados, é também porque todos nós reconhecemos a legitimidade dessa desconfiança plasmada na artificialidade que vivemos hoje. Não tem muito tempo, andávamos a pedir esmola. Pensar-se que por um toque de varinha mágica, a nossa situação mudou, é o mesmo que julgar que de barriga cheia não precisamos de fazer mais nada. Ou que a cigarra voltou a esquecer-se das vantagens de ser mais vezes como a formiga. Vamos a caminho de mais um sarilho.
A vitória esmagadora de Marcelo Rebelo de Sousa nestas eleições merece umas conclusões:
1- A direita esteve unida em torno de um candidato. A esquerda esteve dividida no seu habitual folclore. Tinha candidatos para todos os gostos, incluindo cinco socialistas, um comunista, uma bloquista e um artista de variedades. Já se sabe que nestas coisas a imaginação da esquerda é como o céu: não tem limite.
2- António Costa geriu este dossiê como governa o país: de forma infantil e totalmente irresponsável. É, portanto, o grande derrotado destas eleições. Ele e todos os outros 9 candidatos cujo objectivo era forçar uma segunda volta.
3- O PC é o elo mais fraco da tróica que governa. A votação obtida pelo seu candidato prova que o ménage de conveniência é bom para a fotografia, mas péssimo para os resultados. O Bloco manda, o PS executa, o PC obedece. A corda começou a rebentar.
4- Sampaio, Eanes e Soares têm história e um passado de relevo. Os três ex-presidentes, apesar da popularidade, apoiaram um candidato que não recolheu 25% das intenções de voto. Eis um “tempo novo”.
A campanha não entusiasmou, porque não podia entusiasmar. Houve demasiada confusão, ruído comunicacional, pouca clarividência. Por certo, a confusão foi benéfica para quem gosta de fazer da política um mero palco onde há cada vez menos espectadores interessados nas dores de parto. Isto naturalmente beneficiou quem tem mais a perder do que a ganhar, quem está mais para destruir do que para construir, logo beneficiou mais os candidatos da esquerda do que Marcelo Rebelo de Sousa. É um facto.
Foi aliás notória a tentativa de colar a presidência aos governos e a situações hipotéticas como se uma presidência fosse resumida em questões de sim ou não ou feita dos humores de momento ou dos dramas de ocasião. Só que a alta política exige ponderação, reflexão, análise cuidada dos caminhos em cima da mesa, e não um ver se te avias a ver quem tem a resposta mais interessante, mais polémica ou que possa ter maior amplitude comunicacional. Não é isso que interessa, não é isso que importa.
O que interessa é percebermos que um presidente não decide com base em adágios, em provérbios, ou em frases feitas declamadas sobre cantigas de intervenção; que um presidente não decide exclusivamente suportado na sua área política de origem; que um presidente não é um líder de facção ou de metade de um país contra a outra metade.
O que importa é interiorizarmos que um presidente representa Portugal e os portugueses, representa a nossa história, é um símbolo do país que merece respeito, coisa que muitos não tiveram por quem nos representou nos últimos dez anos; que um presidente não se deixa abater pelas críticas; que um presidente decide pela sua cabeça e não vai atrás do que pensam os outros; que um Presidente tem autonomia e não responde a supostos favores.
É por isso que vou votar Marcelo Rebelo de Sousa neste domingo. Não há outro candidato capaz de corresponder de forma tão eficaz ao que se exige a um Presidente da República. E eu quero alguém na Presidência da República que me dê garantias que vai decidir (quando precisar decidir), não para o meu lado, mas com justiça, independentemente do lado onde essa justiça estiver.
Nota final: Uma palavra de apreço a Henrique Neto – pela capacidade que demonstrou e o respeito que conquistou – e um obrigado sentido ao Tino de Rans – pela autenticidade revelada e porque num tempo em que um ministro troça daquele que é um dos maiores artistas nacionais, nada como ver um verdadeiro homem do povo a dar chapadas de luva branca em muito presumido.
A natureza humana só surpreende quem anda distraído. Nada de original, portanto, ver o Estado manter em exibição este acelerado processo de destruição das liberdades e garantias dos cidadãos a troco do combate à presumida “evasão fiscal”. Aliás, há sempre uma contrapartida evidentemente saborosa que explica às massas a necessidade de ir sempre mais além nas funções do Estado. Às vezes é a “evasão fiscal”, às vezes é a “saúde pública”, às vezes é “a mudança de mentalidades”, às vezes é o que lhes dá na gana.
Seja como for, a partir de agora, todos somos suspeitos e não há necessidade de recorrer a um tribunal para vermos a nossa vida devastada por um qualquer senhor ou senhora das finanças. Neste caminho tortuoso, rumo a um fascismo encapotado em que o Estado verifica todos os aspectos da nossa vida individual e colectiva, bem podemos espernear e dizer basta, que isso não tem qualquer consequência.
Na verdade, nós adoramos este Estado omnipresente com controladores instalados a cada esquina. Adoramo-lo no modo como nos ensina a comer, a viver, a ter saúde, a ser melhor, porque assumimos como inevitável esta cavalgada criadora de um “homem novo” e de um Estado policial.
Eu, que dispensava esta amabilidade que me toma por parvo e idiota chapado e que não tenho interesse nenhum em me tornar um “homem novo” (ainda menos se baseado nas abstrusas ideias deles), estou na onda, não porque queira ir, mas porque é tão grande que é quase impossível lhe resistir. E eu tento humildemente resistir.
Um dia, e esse dia não estará longe, o Estado estará, vestido de gala, instalado dentro de casa a tomar conta de mim, a tomar conta de nós. Nesse dia, seremos certamente todos muito iguais; impolutos; saudáveis; mental, económica e culturalmente capazes; e ambientalmente irrepreensíveis. Mas não teremos aquilo que outrora tanto valorizávamos: liberdade. Liberdade de podermos escolher, liberdade de podermos ser diferentes, liberdade de podermos ser…livres e fazer outras opções.
Philip Roth, esse mestre, disse um dia que a humanidade colocava muita esperança na inteligência dos homens, mas que isso [infelizmente] não anulava a própria natureza humana. Como se vê, não anula mesmo, até porque ela está e revela-se nos pormenores e na imaginação infindável com que nos obriga às suas certezas absolutas.
Ouvir um debate na rádio com 10 candidatos é um exercício masoquista. A primeira pergunta demorou quase 25 minutos a ser respondida. Já não me lembro o que responderam os 9 primeiros. E agora também não me lembro do último.
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