O Governo apresta-se para falhar no seu objectivo principal, o do défice, o que implicará justificações paranormais (logo, inimputáveis aos próprios) e contextualizações onde as palavras e as expressões não têm os mesmos significados a que estamos habituados. Valendo o que vale, a teimosia terá sido, parte, desnecessária e os nossos problemas não estarão minimizados, antes ampliados, o que para os socratistas terá um sabor que julgo especial. Contudo, não esqueçamos quem nos trouxe ao lugar mais fundo do buraco, antes que entrem em demasiadas festanças e nas lutas pela liderança, como a que o Dr. António Costa de Lisboa entretanto inaugurou. Devo referir, apesar dos muitos erros cometidos, que aprecio o esforço do governo e a sua dedicação a uma causa que sendo correcta, não foi devidamente abordada. Relembro que este governo tem uma forte componente ideológica, goste-se ou não. Mas agora, no fim desta etapa, ainda vamos a tempo de parar e de redefinir um outro caminho. De outra forma, o que Passos Coelho e o seu governo consideraram a demanda por um novo início, não passará de mais um triste e malogrado fim. E aí, sim, tudo terá sido em vão.
Numa sociedade cada vez mais alicerçada em lugares-comuns, apática e influenciada pela voragem mediática que muito deturpa e que torna quase tudo lixo, ler este senhor é um enorme prazer e um modo feliz de escapar à monotonia dos dias. E este livro é um grande livro, bem executado e pensado, a que recorro algumas vezes quando procuro respostas.
Num tempo igualmente cheio de ignorantes armados em doutores, onde desconhecer o que fomos e ignorar o que somos é atributo essencial para o sucesso da comédia em exibição, não estranhemos então a suprema arrogância dos que se passeiam imbuídos das certezas efémeras e do ruído apocalíptico. Mas quem ousar querer ser diferente, pode começar por aqui. Afinal, conhecer melhor as instituições e as razões que, outrora, garantiram a nossa ascensão – competição, ciência, direitos patrimoniais, medicina, sociedade de consumo, ética no trabalho – pode ajudar a compreender melhor os motivos que, agora, nos levam a um tão acelerado declínio. Se ainda vamos a tempo, é que já não sei. No que vejo, no que sinto, no que penso, somos um caso perdido. Fica a tentativa.
O problema dos livros é que se acumulam muitas vezes sem a atenção devida. Neste momento, a lista de espera só contribui para o aumentar das torres que, por toda a casa, construo. Mas por vezes (ou talvez quase sempre), uma compra recente passa à frente de muito boa gente apenas porque me concentrei nela com afinco. Talvez não seja justo para todos os outros que fazem subir as torres, mas é assim que funciono. Este que aqui está na foto, é um trabalho de investigação notável de um perito em história militar. É uma leitura que recomendo porque demonstra sublimemente que na guerra é perfeitamente possível vencer todas as batalhas e ainda assim acabar derrotado.
Aníbal e os Barca (relâmpago em cartaginês) foram brutais na execução de um plano meticuloso conseguindo feitos notáveis. Aliás, Aníbal enquanto comandante transformou-se num verdadeiro pesadelo para os romanos, pouco habituados as tácticas militares empreendidas pelo mais célebre dos cartagineses, mas também dos seus irmãos e aliados. Só que, e apesar de tantos e tantos revezes (o maior dos quais, em Canas, onde os romanos perderam 48 mil soldados num só dia, naquele que é provavelmente o maior desastre militar da história), os cartagineses não contaram com a perseverança daqueles que acabariam por constituir o mais célebre império da história da humanidade: os romanos. Aníbal acabou por ser derrotado por Cipião, na Batalha de Zama, depois de 16 anos de guerra. Cartago rendeu-se e Roma impôs as suas duras condições. Terminava assim a segunda das três guerras púnicas, momento que o autor considera ser, devido à quantidade de homens utilizados e aos palcos de guerra onde se desenvolveu, como a primeira guerra mundial da humanidade. 50 anos depois, Cartago jazia sobre ruínas.
A igualdade, em teoria, pressupõe condições, na prática, socialmente impossíveis de alcançar. Aliás, a recente polémica com o problema da igualdade levantada pelo TC no que se refere ao corte nos subsídios é exemplo disso mesmo, porque coloca em causa a teoria (legalmente definida) e não a prática (quotidianamente sentida). Mesmo descontando que os juízes agem em causa própria (o que não deixa de ser um paradoxo), convém referir, contudo, que o Estado é o primeiro a tratar os seus funcionários de modo desigual. Começa nas corporações que têm obtido progressões e promoções quando a grande maioria está congelada no lugar há muito tempo; continua quando fomenta excepções (na TAP, Caixa Geral e Banco de Portugal, por exemplo) no corte dos salários e dos subsídios; e finaliza quando contrata a valores abaixo do habitualmente pago para as mesmas funções. O problema é então político, mas também moral. E assim voltamos ao mesmo: se uns têm, porque razão os outros não hão-de ter?
Quer na tradição judaico-cristã, quer na tradição humanista, o conceito de igualdade exprimia-se em valores espirituais absolutos: igualdade perante Deus e igualdade na nobreza de espírito capaz de viver com verdade. Com as sociedades de consumo (egoísmo, niilismo, homem-massa), e tal como Nietzsche sabiamente previra, estes valores alteraram-se no seu estado puro e perderam-se na falácia do relativismo moral. A igualdade ressurgiu então no materialismo, na justiça social, na igualdade de oportunidades, na igualdade perante a lei e com as premissas (1) de que se um tem, os outros também têm de ter, (2) que qualquer um pode, e deve, ter tudo, e (3) que todos devem partir em igualdade de condições. Não se estranhe então a celeuma legal que o conceito levanta. Perante um paradoxo evidente, e continuando tudo como está, o problema é democraticamente inultrapassável.
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