A política resvala para a criancice e para a idiotia velada. No fundo, tudo não passa de oportunismo, independentemente do que se falar. Ninguém queria um segundo resgate, mas o ar cândido com que se diz a coisa, parece que o desejavam mesmo porque é da natureza desta classe política não contribuir para um bem comum comum, mas para um bem comum particular. O Dr. Seguro enquadra-se nesta estirpe. Fala pelos cotovelos (o que é assustador), apresenta medidas diárias a roçar a ofensa (e ainda mais assustadoras), e revela-se impreparado para qualquer cargo acima da direcção de um Jardim de Infância (o que devia deixar toda a gente assustada). Vale que o Dr. Pedro lhe dá credibilidade e algum troco. Ao contrário de mim, que não lhe dou nem uma coisa nem outra.
Percorrendo o país atrás dos líderes partidários, os jornais e as teevisões lá vão revelando o enorme chinfrim que gravita à volta de umas eleições autárquicas transformadas em julgamentos legislativos antecipados. De um lado e de outro, não há (governo, oposição e aquelas mil e uma personagens do nosso ideário político que têm sempre qualquer coisinha para dizer) que não utilize a actual conjuntura para lançar as suas farpas. Com uma campanha tão edificante, de onde ninguém sai incólume, estranho apenas a minha paciência para ler as múltiplas tergiversações dos suspeitos do costume, habituados a mudar o disco conforme o momento. Mas é certo que no Portugal profundo esta campanha é muito mais do que uma luta contra ou a favor do governo. É uma luta pela sobrevivência de sítios e de localidades onde o desenvolvimento não chegou e as pessoas, essas resistentes, sabem e sentem o quão importante é o papel de uma junta de freguesia ou de uma pequena autarquia no isolamento a que estão sujeitas. Mereciam um mínimo de respeito. O resto, o que sobra, é igual ao de sempre: um enorme circo montado para público ver e jornais e televisões mostrarem. E alguns, poucos, aplaudirem ou vaiarem, conforme o lado da barricada. Vale que amanhã o chinfrim termina.
Esta capacidade de ser omnipresente é sintomática do estado geral do país. Não está em causa a idoneidade da pessoa, mas está em causa esta estranha capacidade de se conseguir fazer tudo ao mesmo tempo, ainda para mais em entidades concorrentes entre si. Por mais que se fale em transparência, em bom senso ou se apregoe uma moral impoluta, o que aqui está é um retrato fiel da classe política e das suas mil e uma artimanhas para controlar e manter o seu domínio. Não temos um problema de democracia em Portugal. Temos sim, um problema de regime político, porque isto é intolerável. E, ou falamos todos da mesma coisa, e juntos mudamos para melhor o que temos, ou de pouco adiantarão as medidas avulso ou os arranjinhos de ocasião. Mergulhado no caos, o país não aguenta. As pessoas não aguentam. Já chega.
Os que julgaram que as eleições alemãs mudariam alguma coisa tiveram mais um choque septicémico. A realidade é o que é. As coisas são o que são.
Não há um único início de ano escolar onde não haja “caos”. Seja pelos horários, seja pelos alunos, seja pelos professores, seja pelo que for. Esta necessidade de tentar matar à nascença qualquer possibilidade de vida, diz-nos bem o grau de responsabilidade e de irresponsabilidade que tomou conta do indígena. Nos sindicatos, nas corporações, na administração pública, nas famílias dos petizes.
Hoje a polémica vira-se para os novos manuais que aparentemente ainda convivem em simultâneo com os velhos, substituindo-os nos famigerados programas do português e da matemática, dois parentes muito pobres de um ensino a roçar a mediocridade instituída. Por certo, haverá razões para discordar da estratégia, dos ditos programas, das consequências. Por certo, isso incomodará pais, alunos e professores. Mas alguém deu-se ao trabalho de pelo menos comparar uns e outros?
Entretanto, o Dr. Seguro anda pelo país a fazer campanha e a anunciar propostas. Hoje mesmo, por exemplo, tem uma reunião com a tróica (por cortesia deles, como é óbvio), onde vai dizer (sim, ele já anunciou o que vai dizer) que “têm de parar com os cortes”, que o défice devia ficar em “5%”(?), que nem pensar “descer o salário mínimo” e que a solução para o imbróglio reside nessa sempre útil e insondável “mutualização da dívida europeia”, signifique o que significar. Num outro prisma, ele propõe baixar o IVA da restauração, uma bandeira a que se agarra como um toxicodependente se agarra à heroína. O cenário de fantasia em que vive o Dr. Seguro apenas abona a favor da comédia em que a política nativa se transformou e da manada que se apresenta como alternativa. Todos os dias, ou quase todos porque já pouco vejo jornais e televisões, deparo-me com qualquer coisa nova ainda que devidamente reciclada, gritada ou sob o tom da ameaça. Para credibilidade da alternativa, estamos conversados. Para credibilidade do sistema, também. Felizmente, os livros continuam a ser melhor companhia.
25 anos? 10 anos? Para o ano? Duas ou três gerações? 50 anos? Nunca mais? Quando saímos do atoleiro?
Os avisos tomaram conta do espaço público. Não há nada nem ninguém que não lance avisos (às vezes, disfarçados de ameaças, de chantagens ou de outras coisas feias), dando um certo ar douto e compenetrado de que a razão dos seus argumentos reside na assunção das suas certezas. Contra as certezas dos próprios, há sempre um certo género predestinado de caos. E há de tudo: há os avisos do governo e dos seus membros, há os avisos dos candidatos nas eleições, há os avisos do Presidente da República, há os avisos de Bruxelas e dessa tróica que voltou a invadir o país, há os avisos dos sindicatos, dos ideólogos, das corporações e dos opinion makers, há os avisos dos jornais e das televisões. São avisos para todos os gostos e para todas as ocasiões, consoante o trigo e joio que estejamos a separar e do assunto em cima da mesa. Este estado de necessidade permanente de viver em “aviso” é claramente um modo útil de manter o indígena em avançado estado de decomposição e de estupidificação. Vale que de avisos andamos todos fartos até esse tutano enchido de balelas e de falsas esperanças. Só não sabemos quando acaba o suplício.
A fragilidade dos argumentos do Dr. Seguro é tão evidente que chega a ser penosa. Olhando para o que ele diz, vê-se logo a sua distanciação da realidade que existe e não daquela que ele julga existir. A escola pública transformou-se num logro sem grande saída há muito tempo. E se ela reproduz as desigualdades, é apenas porque os ricos não estão para frequentá-la e muito menos para andar nessa prosélita experiência pedagógica onde se mudam programas e as regras ao ritmo de um batimento cardíaco. Aliás, os ricos não brincam com a educação das crias e muito menos com o futuro delas. Vai daí, é vê-las nos melhores colégios, pagos a peso de ouro, onde ganham os conhecimentos certos e se preparam para as melhores universidades, boa parte delas já fora deste triste país.
Churchill dizia que o melhor argumento contra a democracia era uma conversa de cinco minutos com um eleitor-típico. Com o Dr. Seguro é exactamente o mesmo, mas a favor do Dr. Passos. Só ele ainda não percebeu isso. Para mal dele e para mal nosso.
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